A uma Brava Mãe

(Sonho com minha mãe - acordada e às vezes dormindo!)
Minha mãe era pai, era mãe, era um porto enorme, seguro... 
Era uma verdadeira canceriana, o carangueijo: dura por fora, mas frágil por dentro. Segurava todas as barras - e as barras pesaram tanto que ela fraquejou um dia - mas só no dia em que pode fraquejar. Nunca a vi chorando - não nos deixava ver. Começou a trabalhar ainda adolescente para manter a mãe, minha avó - uma mulher também forte e que a ajudou a nos criar. Trabalhava e até sonhou com uma faculdade, mas tinha que trabalhar. Os irmãos, mais velhos, dois homens, foram embora tentar a vida, viver a vida noutra cidade, noutro estado. Minha mãe ficou só, com sua mãe, tentando viver seus próprios sonhos.

 Bonita, apaixonou-se e se fez apaixonar. Esperou sete anos e casou com meu pai - a paixão. Esperou um tempo certo, o momento que seria o certo. Ela era  chão e meu pai, o sonho, o artista; meu pai boêmio, meu pai precisando dela, de sua força.
Casou-se de véu e grinalda, mas dizia que só dessa maneira para agradar a minha avó - Minha mãe até feminista, minha mãe moderna...
Casou-se e foram morar  juntos, os três: meu pai, ela e sua própria mãe. Teve o primeiro filho... teve o segundo, uma filha, eu... e depois foi à luta trabalhar, pois não gostava de depender de ninguém, esperar o dinheiro do marido pra comprar o que quisesse e o que fosse necessário - Minha mãe independente.

E foi mãe de mais uma menina e aí meu pai se foi, numa noite tão silenciosa quanto turbulenta - um acidente - e o sonhador teve que nos deixar pra sempre. Assim, mais uma vez sozinha, ela tornou-se pai e mãe de três crianças, além de minha avó - Minha mãe, a chefe de família.

Era difícil para ela demonstrar amor, mas mostrava do seu jeito, trabalhando, e sempre ajudando quando precisávamos. Sua fortaleza era uma tentativa de preservar-se de seus próprios conflitos, sua incoerência, suas impossibilidades - tudo que todo ser humano possui. Era a heroína humana, cheia de contradições, de dúvidas, de erros, de acertos, mas tinha humor, tinha riso no rosto...


Cuidou de sua mãe até o fim e de nós, até a sua própria ida da terra. Como disse, não era de abraços e beijos, mas já com os netos ela abraçou a todos. Era grande a minha mãe! Tão grande que todos que conviveram com ela, muito ou pouco, inclusive nós, os filhos, parecíamos julgá-la imortal, tal surpresa foi a sua morte. E eu a amava profundamente! Não consegui por muito tempo perceber todo esse amor, mostrar esse amor, tantas vezes até transformado em birra, em raiva, em impaciência. Acho que só depois de ter meu primeiro filho tomei consciência de seu tamanho...  mas antes de ela partir, eu falei do meu amor a ela:
Minha mãe rindo sem jeito, num canto de parede, com vergonha de ser amada...
 - "Te amo Mamãe!" 
R.

Comentários

  1. Não deixe o tempo passar e depois descobrir que fez pouco por alguém, pouco amou! Apressa-te: Ame!

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