Sintoma de saudade

Ai como é bom sentir de verdade! 
Sentir prazer, ou sentir dor, mas sentir... sentir saudade! mas sentir como quem se sente vivo por sentir.
Quem não sabe, chama de masoquismo o que é Arte! arte de viver ou viver com arte.
Sentir! Sentir! Sentir!! - tudo numa só palavra, tudo tão imenso e largo!  Largou-se na cama e respirou profundamente, sentindo a respiração e seu percurso: o ar não seria tão pesado se os desejos fossem facilmente realizáveis. Mas sorveria o ar mesmo que o tempo passasse nesse exercício - respiraria ritmadamente e sentiria no corpo, a presença de alguém distante. Sentiria de verdade e nunca ficaria na superfície dos seus sentimentos.
Pensava por alguns momentos que talvez tudo fosse vão - sentir seria  vão! - a vida chegaria ao fim e para que sentir?!  fingiria sempre! seria mais fácil: "mas que prazer é fingir?!"
Largou-se na cama sonhando acordada e vivendo a delícia de existir apesar da distância do objeto de desejo - aliás, queria mais do que desejo: o desejo termina quando se consegue obtê-lo de alguma forma - queria o estado de êxtase, queria a excitação do tocar sem possuir, do ceder sem deixar-se possuir...Queria as horas partidas, poucas horas de amor sem possuir. Para ela,  obter é verbo intransitivo, é finito e sem complemento - contrariando a gramática.
O verbo sentir é completo, pleno, como o verbo Amar, querer o bem, desejar do fundo da alma o bem do outro - daquele outro que, sem razão ou por todas as razões, se ama. Mas desejar é pouco para ela: ela sentia de coração, aquele querer o bem, a paz do outro, a liberdade do outro. Sentia a presença mesmo milhas distante; sentia independente da troca, independente do retorno, independente do egoísmo que grita sempre "quão bobo somos de dar sem receber!" Sentia prazer sem a previsão de que a receita vai ser maior que a despesa.  Queria poder doar esse sentimento sem  pudor, sem pensar em coisas negativas, sem pensar em auto-imagem, auto-estima,  em como seria visto esse amor de verdade - esse amor sem cobrança, amor que preenche e nos faz belos: o Amor é como a obra de arte eterna e sem preço, os anos passam mas ela resiste e impressiona - o Amor resiste e impressiona, por isso é belo.

Deitada na cama, fechou e apertou seus olhos e pensou na pessoa amada tão distante e respirou, como quem busca lá dentro o seu  melhor pensamento; como quem busca retirar do sangue que percorre todo o corpo, oxigenando todas as células,  retirar e doar sua paz,  seu colo, seu corpo àquele ser remoto - remoto, porém um Ser - existente, vivente, não-virtual, não-desligável, não-descartável...  E subitamente, numa expiração, sentiu tomar seu próprio corpo uma onda de prazer indescritível e límpida,  contraindo seus músculos, como num orgasmo, num agudo e breve orgasmo e ali dormiu serena e profundamente bela.
Rossana


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