Volta

Cheguei no Hospital.
É esquisito quando vc se prepara para algo como uma cirurgia sem urgência: é sua escolha estar ali. Se vc voltar atrás tudo vai continuar como antes...

A princípio parece que estava fazendo um checking num hotel. Estava ansiosa, mas totalmente sob controle. Decidi, tá decidido. Depois de assinar um monte de papel que vai desde responsabilidade assumida pelo ato em si, acompanhante, até os deveres pecuniários, usos e desusos, o resto era pegar a mala e ser conduzida ao apartamento e... esperar...

Era o mesmo que chegar num quarto de motel sem vontade ou obrigação de transar. Olhar o apartamento, conferir as toalhas, ligar a televisão, conferir os canais a cabo - hum, que chic!...

Estava em jejum desde as onze da manhã. Eram três da tarde e deveria permancecer assim até a hora da cirurgia - sete da noite. Brincadeira: fiquei sem comer até o dia seguinte, quando comi feito uma loba faminta.

Chegou uma funcionária apresentando-se: tudo que eu precisasse, reportaria a ela. Bem penteada, maquiada, polida. Agradeci e ela se foi, pra voltar todas as manhãs seguintes que passei lá, sempre com o mesmo discurso, prontinho e bem decorado. Não precisei de nada, ainda bem! Depois, uma enfermeira simpática e delicada, que trouxe a roupa da cirurgia, sabonete próprio para usá-lo num banho antes, e me preparou em outros detalhes: era uma maternidade sem filho o que eu iria me sujeitar.

Após tudo isso o resto era ficar quietinha, assistindo tv e pensando em meu bebê de seis anos, em casa com o irmão mais velho. Pode parecer exagerado, mas sempre que me coloco em situação de risco - cirurgia envolve anestesia e por mais simples que seja, há risco -, penso em que pode não haver volta e me preparo para isso - sem desespero, sem drama... É aquela forma de não ser pega de surpresa por ser otimista demais. Sempre fui assim, até no vestibular - se não passasse, haveria outras possibilidades e escolhas: passei em todos que fiz...

A anestesista veio me conhecer e fazer perguntas sobre possíveis alergias, olhou meus exames e delicadamente me tranquilizou, alíás totalmente, pois tomei um comprimido bomba, amargo, sublingual. Faltava pouco.

Chegou a hora e lá estava eu prontinha. Fui até a maca, que me esperava com o enfermeiro. Deitei-me e fui levada pelos corredores, olhando as luzes, já meio grogue pelo efeito do remédio. Olhava os corredores, o balançar da maca correndo e muitas pessoas ao longo do caminho olhavam pra mim: parecia um sonho confuso e estranho. Muita gente mesmo, até no que seria o centro cirúrgico e lá no fundo a obstetra dizendo: - E aí, tudo bem?! até que enfim, vamos lá! E a anestesista disse: -vou pegar sua veia e.... não vi mais nada... escuro... estava entregue à situação.

Lembro-me que fui acordada assim: Tudo bem, pode acordar. Foi tudo ótimo! - e adormeci, "desmaiei" de novo...preto, nada..

Mais tarde fui acordando aos poucos e a impressão que a gente tem é que morreu - "por quanto tempo mesmo?" Disseram-me que tudo durou duas horas, mas pra mim foi muito mais. Por muitos minutos a gente não é ninguém, é vazio, é preto, é nada. Voltei a mim e já estava vestida com a minha camisola, estava com soro e morrendo de fome. E todo o resto? Quem me vestiu? Como voltei para o quarto? Nada. Branco ou melhor, preto.

Disseram-me que perguntei pelos meninos - minha única preocupação... minha real preocupação. Voltei a mim mesma sem ter saído... Deus me protege sempre -Amém!



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