De Carona

 (...)
Num dia, na saída do trabalho,  encontrou-a esperando a chuva passar e  ofereceu uma carona. Ela aceitou depois de desfazer o pedido de táxi por celular que havia feito. Levou-a até a entrada da rua onde morava e a sensação era de quase arrebatamento: “Não se insinua... mas me atrai demais!” Ele apenas a contemplava silenciosamente, enquanto ela falava durante o curto trajeto... os olhos, a boca, as linhas finas sobre o rosto de mulher madura... mas afinal de contas... era apenas uma carona. Rita o agradeceu com um beijo social. Ele tentou em vão prolongar aquele momento - mas afinal de contas era apenas uma carona...

Pegou-se ansioso sempre pelo outro dia, por vê-la novamente. Certa vez, jogando conversa fora, ela mencionou que tinha alguém: ficou inquieto, aborrecido. O aborrecimento ficava visível e se repetiu algumas vezes - ela percebendo que sempre se mostrava irritado, sempre, quando mencionava o outro...
Apesar de contrariado, não se afastava...apesar do pecado, seu pecado - era a esposa, os filhos: Mas Daniel cada vez mais se chegava,  sempre nos horários mais livres, perto dela, conversando, brincando das diferenças que existiam entre eles... eram tantas, mas e daí?

Encontrou-a novamente na saída. Ofereceu-lhe carona. Sucumbiu à tentação. O silêncio o dominava. Ela, não! falava naturalmente como se nada acontecesse – “e nada vai acontecer, ele não permite!” pensou por um instante. Daniel parou o carro.Seus pensamentos eram confusos: “ela vai embora... devo falar! mas o quê?” a chance de beijá-la, ali, sozinhos, senti-la - sua pele, sua cor, branca, o oposto, seu oposto, o perfume, o gosto, a fé, tudo diferente, tudo o fazia estremecer ... Vou dizer: - Espera!... quero você! Sei que não devo... - no impulso, nervoso, sem graça...
Rita a olhá-lo de forma meiga, carinhosa. “Amar não é pecado" queria dizer isso a ele. Daniel beijando-a, permitindo-se, amando o novo, o oposto, o diverso... pecando, seduzindo, deixando-se seduzir. E a igreja, o pregar, a riqueza prometida que não vinha? O gosto dela em sua boca, o perfume,  o prazer...

Ela agradece pela carona e despede-se. Sai do carro sem olhar pra trás.Ele a observa, afastando-se cada vez mais, cada vez mais... distante.
Rossana

Comentários