A menina sem jeito ou "Como os adultos podem fazer mal a uma criança" ou " Como não tornar verdade uma mentira repetida várias vezes "


A vizinha, uma verdadeira Bruxa, não   a chamava pelo nome,  mas sim por "Joaninha" e completava: " a menina sem jeito!" O danado é que ela,  Cléo ou "Joaninha",  nunca entendeu muito bem o porquê,  nem demonstrava mágoa por alcunha tão ofensiva. Mas acho que ia se acostumando tanto com tal "nome",  passando até a achar normal ser chamada assim. E ela era "a sem jeito", a que não ligava roupas, enfeites e belezas... a que nada sabia fazer, a que tudo fazia mal feito.

Talvez por isso mesmo sem saber, exilava-se em si mesma e não deixava ninguém entrar. Escondia-se na escola, nas festas, onde houvesse muita gente -  ninguém a via de tão pequena que se sentia. E tudo se torna difícil pra quem se sente assim: fazer amizades, aparecer num espelho, numa fotografia... E nunca relacionou tal tratamento ao sentimento de pequenez que a dominava. Ninguém a defendia da Bruxa, ninguém lhe dizia o contrário, um elogio, nada! E ela  sem reclamar - acostumou-se. 

Cléo era assim como um cachorrinho de estimação, um mascote que servia de companhia para a filha única da Bruxa - uma bruxa aprendiz, que por capricho e  por mania de exclusividade a  afastava de outras meninas. E ninguém a salvava... Ia a todos os passeios, visitas em casa de parentes; ia a casa das amigas, pessoas que Cléo nem simpatizava. Mas  encarava tudo como um cãozinho  muito, muito obediente - e ninguém a notava, era quase uma sombra que sempre acompanha o corpo, e é normal estar ali. Só isso, sem gosto e nem vontade! E Cléo participava de tudo, como se não pudesse encontrar ninguém melhor pra conviver, até conseguindo amizades quando longe dali - em alguns momentos, até conseguia se ver como ela mesma... 


Ai veio a menarca da filha da Bruxa e ela, mais velha que Cléo, deveria ser alertada para certas coisas. Cléo foi alertada que existia menstruação pela vizinha Bruxa e alertada para todas as certas  coisas: disse que menstruação era uma "doença das mulheres" e a relação sexual doía muito - "era um horror!" A bruxa criou aquele  clima "tenebroso", ensinando a filha (e a ela?!) a afastar rapazes, falando do perigo de tê-los por perto. Achando tudo aquilo novo, ouviu , mas não guardou. Mas um dia os hormônios apareceram, embora continuasse Joaninha, embora ninguém houvesse avisado que não era mais sem jeito; embora não se sentisse mais sem jeito... 


E a bruxa- filha deveria casar, pois assim determinou a Bruxa. Não se sabe como, um homem,  príncipe -sapo, apareceu na história e foi escolhido pela mãe como rico e perfeito para o cargo.
Veio então, os quinze anos da bruxa-filha, que seria também dia de noivado com o tal "príncipe-sapo": Cléo seria uma das damas de não sei o quê. Tinha que fazer um vestido, longo, azul e logo a Bruxa-mãe se prontificou a fazer  o de Cléo,  Fez o vestido todo torto, cheio de defeitos - lógico, "era para a Menina Sem Jeito". Cléo olhou-se no espelho... e parecia tão sem jeito... e parecia tão boa que nem mesmo maldou que tudo tinha sido feito de propósito! ( E ninguém a advertiu: "diga não! não vá à festa!")

 Algum dia depois um aviso chegou... um único dia, bem claro, como que caído do céu:  o marido da Bruxa - que não era tão bruxo - a notou e a elogiou em público, para o desespero da vizinha- bruxa! Foi quando Cléo , finalmente, percebeu que não precisava de festas de 15 anos dos outros,  nem de príncipes-sapos escolhidos pra casar, nem tampouco daquelas companhias.  
A bruxa-filha casou-se com o sapo e a "Joaninha" se livrou da Bruxa, de sua filha e daquela alcunha para sempre... e  Cléo nunca mais se deixaria humilhar.


R.

Comentários

  1. Somos adultos? Temos crianças ou Jovens por perto? Policie-se! não estrague a auto imagem de ninguém! respeite o indivíduo, o ser humano! É o maior presente, é o melhor que alguém pode fazer pelo outro e esse presente volta pra vc na forma de amor!

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