No escuro do cinema

Sentadinha na cadeira de cinema, esperando que tudo começasse. O tudo era a história de um amor, dramática, trágica e única no meio de tantas outras.
Calada como costumava ser em momentos graves e o cinema era e sempre seria um momento especial, onde outras vidas poderia viver e sentir por algumas horas, onde uma janela para outras possibilidades se abriria. Faria sempre sonhar aquela imagem imensa diante de seus olhos. E não importava se era famoso o ator, a atriz - aliás essa era a grande magia para ela, as imagens de um filme em tela de cinema: não importava a ficha técnica, o que importava era se depois do filme, quando as luzes se acendessem, algo havia restado dentro dela, se algo a havia modificado profundamente ou de alguma forma.


Junto com a mãe lá estava ela pronta para uma história que não sabia, nem sonhava e nem mesmo iria viver um dia. A escuridão se faz e a luz da tela transmitia uma atmosfera de um tempo tão antigo, de um lugar tão distante. Aquelas roupas, os cabelos de Julieta, o busto bem desenhado nas vestes - aquilo tudo era estranhamente familiar para ela. Se via assim vestida e andando por aquelas ruas e lugares de sonho. "Mas nem busto tenho ainda!! ah! não importa": dançou na festa assim mesmo, amou Romeu com medo de que sua mãe sentada ao seu lado a descobrisse amando - a mocinha tinha quatorze anos? ela tinha onze, mas isso também não importava!  O amor nunca a assustaria!  estaria pronta para a vida...


E lá estava ela pensando que faria tudo diferente, afirmando que ninguém a atrapalharia, que seu amor seria vivido integralmente sem proibições, sem pecados. Não ficaria depois do amor até de manhã com seu amado, não deixaria ninguém perceber. Não correria o risco de ver seu amor ameaçado. Faria tudo diferente se estivesse ali, no lugar de Julieta.
E veio aquele final assustador, diante dos seus olhos  de menina - estava quase sem respirar - ele, Romeu, havia bebido veneno -  "não! amar é vida!" e Julieta preparava-se para o desfecho fatal e naquele momento tão desesperador,  prestes a cravar um punhal em si mesma e morrer junto ao seu amado - seu coração de menina sentada numa cadeira de cinema começa a bater desritmadamente, rápido, veloz - o ar lhe falta, mas não avisou sua mãe - tão juntinho dela e sem perceber sua ânsia, seu quase desmaiar, seu sofrimento naqueles momentos finais...naquela cadeira, diante da tela...


E com medo de morrer no escuro do cinema e sabendo que as luzes voltariam logo,  decidiu rapidamente respirar o mais forte possível, precisava sorver o ar como quem luta em achar a superfície - estava se afogando... consegue então finalmente acalmar seu coração, voltando lentamente ao normal. A mãe não percebera nada, a menina não o permitiria: seria seu segredo pra sempre! E a luz da sala de projeção se acende. Sua mãe sorri para ela, levantam-se... e lá se vai a menina fingindo ter amado por algumas intermináveis horas.
Rossana

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