Nua, de tamancos

Estava ali diante do espelho naquele  provador de loja de roupas. Quase nua, de tamancos. E de repente se pegou percorrendo  sua própria imagem refletida, seu desenho no espelho. E de repente sentenciou que não havia mais saída: O tempo passava e seu corpo não era mais o seu! Nunca havia se olhado nos últimos tempos com aquele olhar. A constatação do tempo passado. A luz forte no espelho a fez pensar que não  fosse mais adequada a estar sob a luz. Fazer amor com a luz acesa? buscar seu orgasmo por cima do seu amante, sem pensar nas rugas e na flacidez irreversível da pele? ( ... a gravidade, aquela lei invisível) Tanta coisa a disfarçar pra não sentir que o tempo passou no corpo. Nem a descoberta dos primeiros cabelos brancos  havia  doído tanto. Tinha pelo seu corpo respeito e um cuidado não exagerado, mas o cuidado de um amor calmo e deveria continuar assim, calmo, pois era assim que gostava de ser.

Rapidamente provou as roupas que estavam ali a esperar - e tanta gente que fazia barulho lá fora, a esperar pela vez de se olhar no espelho, a fez voltar à realidade como diante de um  relâmpago, um flash de fotografia...
Decidiu que não se olharia com tanto rigor. Decidiu que não se olharia mais no espelho com aquela luz (ou seria melhor não se olhar mais no espelho?!?). Decidiu que as roupas que queria comprar eram perfeitas e rapidamente se despiu e se vestiu novamente com as suas velhas roupas. Queria sair daquele provador e daquela luz. Queria não ter mais amante pra não pensar no tempo (quem sabe ficar quieta a esperar o tempo passar...)
Pegou sua bolsa, as roupas novas,  respirou fundo e até sorriu... Abriu a porta e saiu decidida a não fugir mais do tempo. Decidida ainda mais a vivê-lo.
Rossana Acce

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